quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Júlio

(antes de ler esse post, leia o primeiro post da série)

Eu tinha acabado de fazer 13 anos e nunca tinha beijado ninguém e todas as minhas amigas da escola já. Não que fosse um problema pra mim, eu me preocupava tanto com meus estudos e não tirar nenhuma nota vermelha – para fazer jus a mensalidade altíssima que meus pais pagavam – que esqueci que estava crescendo. Fui perceber o quanto era inexperiente quando conheci Júlio, ele era mais velho e conhecia minhas amigas de classe. Nossas classes eram uma de frente para a outra e foi assim que nos conhecemos e me apaixonei. Ao dar o sinal das trocas de professores, eu pedi para uma amiga apresentá-lo para mim, sempre o achei bonitinho. Ela gritou “Júlio... Vem cá!”, arregalando os olhos três vezes para e apontou com o nariz na minha direção e eu morri de vergonha. Ele se aproximou e pegou na minha mão, passava tanta gente entre nós, dos nossos lados que nossas mãos se soltaram sem querer, o que não foi um empecilho para que, antes disso, ele me conquistasse beijando minha mão e falando que adorou me conhecer. Meus olhos brilharam e eu não ouvi mais nada, nem mesmo as minhas amigas falando comigo, flutuei até minha mesa e só voltei em mim quando eu vi as minhas cinco amigas em volta de mim. Foi uma sensação diferente de todas as outras que eu já tinha sentido. Beijando minha mão fez parecer um conto de fadas no qual eu era a princesa e ele o príncipe encantado. Ele era um pouco mais alto do que eu. Tinha cabelos curtos bagunçados escondidos por um boné verde-musgo horrível, seus olhos brilhavam – mas hoje eu acho que era por causa da luz, mesmo – e seu sorriso me chamava. Mesmo não sendo o cara mais lindo da escola, era o maior pegador. Só tinha um detalhe: Eu não sabia disso. Enquanto me contava da vida dele, fui formando o cara perfeito na minha cabeça. Um cara novo na escola, que já tinha bastantes amigos por ser um cara legal. Sua família parecia ser normal, mas seus pais eram separados, como os meus, e tinha uma irmã. Nessa semana ele percebeu meus sentimentos porque eu não consegui ser mais discreta, nem saberia fazer isso, era a primeira vez que o cara por quem eu tinha interesse se interessava por mim também. Ele me acompanhou até o metrô que ia para minha casa e quando nós estávamos chegando ele perguntou se era verdade que eu nunca tinha beijado. Disse que sim sem nenhum tipo de vergonha, sempre achei que era bom ser sincera quando se conhecia pessoas novas. Só que ele me olhou de cima a baixo e sorriu de uma forma que eu não gostei muito, como se estivesse caçoando de mim. Ignorei porque, para mim, ele já era perfeito. Disse que com a idade que eu estava já era tarde. Ao se despedir de mim, encostou as mãos no meu rosto e me deu um selinho. Eu achei que ia me beijar, mas ficou naquilo mesmo. Ajeitou meu cabelo para trás e disse que no próximo dia nos veríamos. Encontramo-nos a semana inteira, nos cumprimentávamos com selinhos, mas não ficamos sozinhos nunca. Na sexta feira me chamou para sair, disse que me ligaria e não ligou. Fiquei muito triste e acabei saindo com algumas amigas para o shopping do bairro. Estava desanimada porque, primeiro, eu esperava sair com ele e depois porque era sempre o mesmo programa, nunca mudava. Minha amiga estava beijando um menino que conheceu naquele dia e um amigo dele estava falando comigo – e eu torcendo para que ele fosse embora – e meu telefone celular tocou (sim, já existia celular naquela época, aqueles Nokia do jogo da Snake em “preto-e-verde”). Era ele me perguntando onde eu estava. Ele disse que também estava indo para lá e pediu para eu ir encontrá-lo na porta de entrada. O menino que falava comigo saiu de fininho morrendo de vergonha e eu fiquei extasiada. Estava tão emocionada que nem consegui falar direito, mas minhas amigas perceberam minha empolgação, me arrumaram rapidamente e disseram que eu estava linda. Quando ele chegou não sabia o que fazer, tentei parecer ser o mais natural possível, mas ele percebeu minha agitação. Tanto que olhava para mim e ria – de mim – sempre que falava, sem querer, alguma besteira. Conversou algo sem importância comigo e começou a falar de nós dois. Falou que ele achava que eu merecia alguém melhor, não entendi direito, mas acho que ele estava se desprezando. Eu disse que não tinha nada a ver, que ele era um cara legal e que eu gostava dele. Não sei como ele entendeu isso, só sei que saiu sem querer. Ele estava meio desconfortável com todas as minhas amigas ali por perto, estávamos sentados em um banco e ele foi falando mais baixo e chegando mais perto. Ele me perguntou se eu queria mesmo beijá-lo e eu disse que nunca tinha beijado ninguém. Ele foi se aproximando e eu morrendo de medo de não saber o que fazer e acabar fazendo tudo errado. Olhei para os lados, vi minha amiga e o menino se beijando e ele estava com a mão em alguns lugares que eu não sei se estava pronta para ser tocada por um homem e disse baixinho, assustada: “se eu te beijar, você não me agarra?” Sorriu e disse que ia ficar tudo bem. Foi encostando sua boca na minha e a abrindo devagar. Fiquei com uma das mãos apertando minha bolsa e a outra no braço do banco. Fechei os olhos quando percebi que eu estava dando meu primeiro beijo e senti sua língua encostar o céu da minha boca. Estranho. Sensação estranha. Minha barriga começou a gemer baixo. Depois de um tempo que eu só estava ouvindo pessoas conversar, sentindo a língua dele na minha boca e minha barriga gemer, ele se afastou e comentou que para o primeiro, até que estava bom. Continuamos a conversar e não me beijou mais – devo ter beijado mal para caramba – e quando estava indo embora me deu outro beijo rápido. Não sabia o que pensar e fiquei mais confusa do que nunca. Na segunda feira várias pessoas, até umas que eu não conhecia, vieram falar comigo. Perguntaram se era verdade que tínhamos ficado e que ele tinha contado para todo mundo da festa que tinha sido no próprio sábado. Fiquei super feliz com isso, pensei assim: se ele contou para todo mundo mesmo, ele deve estar no mínimo a fim de mim. A felicidade durou até meio dia daquele dia, pois quando eu saí com as amigas da escola, uma menina gritou para mim que eu era mais uma para coleção do Júlio. Pensei ser inveja. Poderia ser. Outra menina veio me dizer que ele tinha espalhado as coisas ao meu respeito porque ele estava bêbado. Minha cabeça pediu para eu ter calma, o que eu não conseguia por causa do meu coração dilacerado. Fui para casa e chorei a tarde inteira. No dia seguinte, ao chegar a escola, uma menina da minha classe veio conversar comigo, disse que tinha ouvido algo muito ruim e maldoso dele mesmo. Contou para mim que ouviu ele dizer para alguém que eu e ele tínhamos feito mais do que só beijado, diz ela que as palavras que ele disse foram “sábado+sexo+meu-nome-da-sétima-série ”. Comecei a chorar. Perguntei se ele não estava falando de ter sido meu primeiro beijo, porque foi isso que aconteceu no sábado: apenas meu primeiro beijo. Disse que não. Nada de “primeiro beijo”, “namoro” ou muito menos “amor” e as palavras que foram mentirosamente ditas foram: “sábado+sexo+ meu-nome-da-sétima-série”. Fiquei brava. Fiquei magoada e ofendida. Muito mais pela mentira do que qualquer outra coisa, pois se tivesse acontecido, eu só ficaria brava por ele ter espalhado. O problema era ele ter mentindo. Perguntei para ele, ele negou. Não sabia se estava mais sentida por causa da mentira, de não saber em quem acreditar ou se era porque estava ficando apaixonada por ele, mesmo com tudo isso. O tempo foi passando e nunca mais ficamos, mas não foi por falta de oportunidades, foi porque não queria sofrer ainda mais. Fui percebendo que ele não prestava, na verdade. Tudo o que tinha me dito sobre seu caráter era mentira. Ele dizia que era santo, que não era mulherengo e que não gostava de ficar só por ficar. Sempre se fazia de santinho para as mulheres e era assim que as conquistavam. Foi assim comigo e com todas as outras de “sua coleção”. Até nossa professora de história foi alvo. Deu em cima dela, discretamente, acentuando suas características de bom aluno e bom menino. Quanto mais o tempo passava e eu descobri a pessoa não-perfeita que ele era, mais me irritava porque mesmo eu sabendo disso, ele fingia que não era assim, como se ele fosse ganhar alguma coisa tentando fixar esse personagem em mim. Não que eu tenha decidido esquecê-lo e em um dia conseguido, mas passei um tempo apaixonada pelo cara que eu conheci, não o cara que existia de verdade. Foi meu primeiro amor e minha primeira decepção. Nunca mais o vi, mas até hoje guardo uma caixa cheia de recordações e cartas que escrevi e não mandei para ele. Fotos e coisas que eu pensava sobre ele. Aquele príncipe encantado que desencantou.

Nenhum comentário:

 
Share |