quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Marina

Há alguns anos, conheci uma menina que considerava perfeita. Ela era quatro anos mais velha que eu. Estava terminando o colegial enquanto eu ainda estava na sétima série. Ela se chamava Marina. Ela era considerada, na escola, a menina mais bonita, desejada e invejada.

Tinha cabelos lisos e pretos até o meio das costas, olhos escuros, pele bem branca e corpo perfeito. Podia comer batata frita chocolate, sorvete e pizza que continuava perfeita.

A sua turma era a mais animada, os amigos mais descolados e os namorados mais bonitos de toda escola. Ia às melhores festas. Fazer parte desse circulo era ter status.

Nessa época, andava com a Irmã dela, freqüentava sua casa, ela me contava as coisas, eu pedia conselhos pra ela e nos tornamos amigas. Considerava isso o máximo porque mesmo ela sendo quem ela era não deixava de ser humilde, ajudar e conversar com os outros.

Eu era totalmente sua fã e queria sempre ser igual a ela, mesmo que as condições não permitissem. Eu sempre a defendia quando falavam mal dela. “É inveja”, eu sempre repetia. Ela era tão perfeita que até os defeitos dela eram tranquilamente superados pelas qualidades.

No fim de semana passado, recebi um recado no celular falando que ela tinha bebido muito na festa de 15 anos de sua prima e desmaiou, entrando em coma alcoólico. Aquilo foi um susto para mim. Corri ao hospital que ela estava internada. Recebi informações que ela já tinha acordado do coma, que só estava dormindo.

No quarto, não estavam seus pais nem seu namorado, apenas sua irmã mais nova, a que era minha amiga. Abri a porta sem deixar que ela me visse. Olhei. Tive pena. Saí sem dizer nada. Estava confusa. Porque será que ela tinha bebido? E seus pais? E seu namorado? Onde estariam?

Voltei para casa, nem sei como de tanto que eu pensava. Lembrando de todo o tempo que eu quis ser como ela. Resolvi recuperar meus diários daquela época. Sexta e sétima série. Havia muitos relatos sobre ela. Sobre ela e sua família. Sobre ela e seus amigos. Sobre ela e seus namorados. Eu era a paparazzi número um dela.

Reli uma boa parte de minhas anotações e, agora mais amadurecida, pude perceber algumas falhas no mundo perfeito dela. Eu nunca citava os pais dela, apenas quando ela se queixava de algum mal entendido entre eles. Falando dos namorados oficiais, só tinha coisas de quando eles ficavam bêbados ou drogados e matavam aulas, e como ela se orgulhava de estar junto.

Realmente, Marina era perfeita. Vivia num mundo perfeito que ela mesma criara. Algumas pessoas sabiam disso. Outras não. Outras fingiam que não e a usavam. Todas as experiências que ela me dizia empolgada, não faziam parte de nenhum mundo perfeito e sim parte de um mundo inventado, de farsas.

Eu lia e relia milhões de vezes e me condenava por ser tão ingênua. Por acreditar! Como eu poderia querer ser como uma menina que finge e usa as outras pessoas? Quanto tempo eu não perdi? Quantos amigos não romperam comigo por causa dela e de minha mania de defendê-la? Inclusive sua irmã, a que eu não cumprimentei no hospital.

Todas as pessoas que eu julgava invejosa, na verdade, era quem a conhecia de verdade. Tanto é que, a maioria delas, eram pessoas que em certo momento de suas vidas foram bem próximas. Foi pensando nisso, ao ler meus próprios escritos, que me toquei na verdadeira Marina. Tentando manter longe as pessoas que a conhecia bem, usava outras. Quando essas outras queriam uma maior aproximação, ela as dispensava. Era por isso que sua irmã não conseguia ver como eu a via. Foi assim com todas as pessoas que ela foi amiga. Inclusive eu mesma. Ela era má e isso me doía muito.

Deitei na cama com meu último diário, frustrada e aborrecida. A vida de Marina era desprezível. Dormi rapidamente. Ao acordar, com uma profunda dor de cabeça e leves enjôos, senti meu corpo despertando de um terrível pesadelo. Senti os braços de minha irmã apoiados na minha barriga, entrelaçando sua cabeça. Ela estava cochilando. Gemi alto para que ela ouvisse, ela olhou para mim séria e deu nos ombros. Foi então que eu disse: “Ju, me coloquei no seu lugar! Pode me perdoar, por tudo? Prometo que mudarei”. Ela sorriu e disse: “Marina, você nunca mais vai beber na vida!”

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