sexta-feira, 19 de março de 2010

Pensavam que era hippie, que estava protestando, sei lá.

            Fui pra Valencia no feriado de San José e parei para descansar. Perto de mim, uma menina sentada em uma toalha colorida, com a estampa do Senhor do Bonfim – da Bahia, por isso me chamou atenção -, com um casaco também colorido e uma mochila rosa. Não estava fazendo nada, só sentada ali, mudando de posição, uma hora sentada, outra deitada e às vezes de pé. Uma hora ela saiu, mas depois voltou.
Um menino se aproximou dela e perguntou se estava tudo bem, ela disse que sim. Depois um grupo de adolescentes tirava fotos e quis tirar com ela, ela disse que não tinha motivo, que não havia motivo e os meninos foram embora sem a foto. Logo depois um homem se aproximou cauteloso: “posso te fazer uma pergunta?”, ela olhou pra ele sorrindo e ele continuou: “o que você quer transmitir? Paz?”, ela riu, disse: “desculpa, não entendi.”, e ele sorriu falando: “é que você ai sentada transmite muita paz, é isso que você quer transmitir?” e ela: “se eu transmito paz, melhor, mas na verdade eu só estou entediada esperando meus amigos chegarem”.
O homem ficou sem graça e foi se explicando: “é porque você sentada e deitada assim, como você está parecia que queria passar algo e, sem vergonha de transmitir o que quer, uma paz, continue assim, viu, não mude!”, e saiu. Ela não estava entendendo nada, pelo o que ela disse só estava entediada e esperando seus amigos.
Antes ela devia pensar que era mania de perseguição, porque achava que algumas pessoas a olhavam, mas depois dessas coisas acontecerem, ela teve certeza que não era só impressão, as pessoas realmente olhavam e falavam dela. Ela estava lá sentada, esperando. Uma mulher passou olhando, parou, falou algo para um homem que estava com ela, continuou a olhar. A menina olhou de volta sorrindo com uma cara de ponto de interrogação e a mulher, envergonhada, saiu andando.
Foi ai que resolveu fazer um teste: tirou o casaco colorido, guardou na mochila e dobrou a toalha que estava sentada na metade. Funcionou, ninguém passou olhando como antes. Mas logo que colocou de novo o casaco porque estava esfriando e esticou a toalha, um menino veio falar com ela:
- Oi, você tem papel?
- Tenho esse aqui (estava com um caderno no colo)
- Não, tipo seda.
- Desculpa, não entendo. (mas entendia)
- Pra fumar... Maconha.
- Não, não faço essas coisas...
- ¡Vale, vale!
- Ei, não é proibido, aqui na Espanha?
- é, mas... (com uma cara de bunda)

E saiu. Foi aí que pegou o caderno que estava e escreveu: “porque me olha? Só porque estou colorida e entediada? Porque não consegue enxergar os apagados e necessitados?”. Essa pessoa ali, sentada, era eu. Era só o que me faltava.

Um comentário:

Elvira Reininger disse...

Sempre disse que você tinha um brilho especial, diferente...!

 
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