segunda-feira, 11 de julho de 2011

Fogos de artifício


Helena abriu a porta e deixou cair seu copo d´água. Fazia uns dias que não o via. A visita não a poupou e disse: “se quebrar um copo a cada convidado que chegar, não vamos ter copos para brindar”, enquanto ela entrava na sala de mãos dadas com seu namorado, Helena continuava a olhar pra fora e encará-lo como que quem diz “vai embora daqui, Marquinhos”, mas ele não ia embora, não enquanto morasse ao lado.

Helena juntou os cacos de vidro que pôde com as mãos, ainda de porta aberta, enquanto o casal comprimentava alguns amigos que estavam sentados no sofá marrom em frente à televisão, ligada na programação especial de ano-novo. Ela levantou olhando para ele, que estava falando ao telefone de porta aberta, nem a notou ali. Ela continuou encarar. Cortou a mão com um dos cacos. “Que desastre de ano novo”, pensou.

Fechou a porta fazendo barulho e chamando atenção de todos. Correu para a sala e pediu que seu irmão ajudasse com o copo quebrado da porta. “Ele voltou, tá na casa dele”, ela sussurrou. “Não esquenta, ele não vai incomodar”, ele respondeu. “Talvez eu queira que ele me incomode”, pensou. Helena subiu até seu quarto para cuidar do pequeno corte. Iria ser uma boa desculpa para se isolar um pouco daquela festa estúpida de ano novo que sua mãe havia preparado para suas velhas amigas com novos namorados. Ou suas amigas velhas e namorados mais novos.

“Talvez eu queira que ele me incomode.” É tudo o que ela pensava enquanto deixava a água cair sobre sua mão. Desde a véspera do Natal que não o via. E da última vez não foi uma noite muito divertida. Ela tinha chorado e os dois tinham dito coisas que não se dizem na véspera do Natal. Helena foi procurar um curativo no quarto de sua mãe que, por coicidência ou não, era uma das partes da casa que dava de frente com a casa de Marquinhos, pela varanda.

Ela saiu pela porta da sacada e ficou olhando para o lado. Não demorou muito, deu de cara com ele, também na varanda de sua casa. “Não perderá nunca o hábito de se machucar?”, ele disse, vendo o curativo em sua mão. “Meus piores machucados são por sua causa”, ela respondeu, entrando de volta para o quarto. “Helena!”, gritou em vão. Ele pensou em pular para a sacada da vizinha, mas da última vez que ele tinha feito, tinha caído e se machucado. "Eu gosto de você, Helena, só não posso admitir", sussurrou para si.

Helena sabia que era isso que ele precisava: um gelo, uma grosseria, uma falta de atenção, um pouco de não importância. Ela queria muito ficar ali e conversar, mas sabia que aquilo só o faria ser mais convencido da fraqueza dela. Ela subiu mais um andar de sua casa de 3. Ir até o 3º andar seria, sem dúvida, a pior e melhor coisa que ela podia fazer. Já era mais que 23h do dia 31 de dezembro e logo seu irmão ia procurá-la, se os vissem juntos, tudo iria piorar, se ela não falasse com ele, seu mundo acabaria. Se ele não subisse na insistência de encontrá-la, tudo estaria melhor impossível. 

Quando chegou no terceiro andar não encontrou nada, nenhum sinal dele. Ele não a procuraria, ainda mais depois de não atender suas ligações por uma semana e ter saído daquele jeito da varanda. Para ela, ele só se aproveitava de sua fragilidade, de sua ingenuidade. Isso fazia mal a ela e quando ele não tinha mais nada pra fazer ou ninguém pra ligar, ele sabia que a encontraria em casa, então tocava a campanhia. Mas para ela já era suficiente, não aguentava mais ser segunda opção.

Seu telefone tocou no bolso. Era ele. “Você tá olhando para o lado errado”. Ela desligou sem dizer nada, olhou pela outra janela e o viu sentado na escada que levava para o telhado de sua casa. “oi”, ele disse. “oi”, ela respondeu, “não aguento mais”, pensou. "Vou mudar, prometo", ele disse. “Posso ir aí?”, ela perguntou. “Vem. Mas... Promete que não vamos brigar?”, ele disse. “Não...”, ela respondeu, os dois sorriram. 

Ela desceu correndo, "não preciso disso, não, mas quero muito.", pensava, teve que sair pelos fundos para não ser vista por alguém da família ou as amigas chatas da mãe. "Que ele pense que sou fraca. Ai dele se não mudar..." Ele a esperava no pé da escada, nos fundos da casa dele, onde nada estava acontecendo. A festa da mãe de Helena era a única da rua. Ou as pessoas estavam lá, ou as pessoas não estavam em casa. Ou então as pessoas estavam como Helena e Marquinhos, que subiram no telhado da casa dele e ficaram esperando deitados dar meia noite e o céu se iluminar com os fogos de artifício.

Um comentário:

Elvira disse...

Adorei o texto, só para variar. Vi um fundinho de um zé mané no texto, alguns fundinhos. hahahaha Amo muito você, adoro (sempre adorei) o modo como você escreve. Sucesso!

 
Share |